sexta-feira, 9 de abril de 2010

Um cão apenas...


Subidos, de ânimo leve e descansado passo, os quarenta degraus do jardim – plantas em flor, de cada lado; borboletas incertas; salpicos de luz no granito eis-me no patamar. E a meus pés, no áspero capacho de coco, à frescura da cal do pórtico, um cãozinho triste interrompe o seu sono, levanta a cabeça e fita-me. E um triste cãozinho doente, com todo o corpo ferido; gastas, as mechas brancas do pêlo; o olhar dorido e profundo, com esse lustro de lágrima que há nos olhos das pessoas muito idosas.

Com um grande esforço, acaba de levantar.-se. Eu não lhe digo nada; não faço nenhum gesto. Envergonha-me haver interrompido o seu sono. Se ele estava feliz ali, eu não devia ter chegado. Já que lhe faltavam tantas coisas, que ao menos dormisse: também os animais devem esquecer, enquanto dormem… Ele, porém, levantava-se e olhava-me. Levantava-se com a dificuldade dos enfermos graves, acomodando as patas da frente, o resto do corpo, sempre com os olhos em mim, como à espera de uma palavra ou de um gesto. Mas eu não o queria vexar nem oprimir.

Gostaria de ocupar-me dele: chamar alguém, pedir-lhe que o examinasse, que receitasse, encaminhá-lo para um tratamento… Mas tudo é longe, meu Deus, tudo é tão longe. E era preciso passar. E ele estava na minha frente, inábil, como envergonhado de se achar tão sujo e doente, com o envelhecido olhar numa espécie de súplica. Até o fim da vida guardarei seu olhar no meu coração. Até o fim da vida sentirei esta humana infelicidade de nem sempre poder socorrer, neste complexo mundo dos homens. Então, o triste cãozinho reuniu todas as suas forças, atravessou o patamar, sem nenhuma dúvida sobre o caminho, como se fosse um visitante habitual, e começou a descer as escadas e as suas rampas, com as plantas em flor de cada lado, as borboletas incertas, salpicos de luz no granito, até o limiar da entrada. Passou por entre as grades do portão, prosseguiu para o lado esquerdo, desapareceu.

Ele ia descendo como um velhinho andrajoso, esfarrapado, de cabeça baixa, sem firmeza e sem destino. Era, no entanto, uma forma de vida. Uma criatura deste mundo de criaturas inumeráveis. Esteve ao meu alcance, talvez tivesse fome e sede: e eu nada fiz por ele; amei-o, apenas, com uma caridade inútil, sem qualquer expressão concreta. Deixei-o partir, assim, humilhado, e tão digno, no entanto; como alguém que respeitosamente pede desculpas de ter ocupado um lugar que não era o seu.

Depois pensei que nós todos somos, um dia, esse cãozinho triste, à sombra de uma porta. E há o dono da casa e a escada que descemos, e a dignidade final da solidão.

Cecilia Meireles
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Eu recebi esse texto na minha prova de literatura, achei muito triste!!
O pior é que isso acontece muito nas nossas vidas, qualquer hora que a gnete passa na rua pelo menos um cão abandonado encontramos!!
E a comparação que a Cecilia fez com os idosos foi de quebrar o coração!!!
Amei o texto, quase chorei...
Espero que tenham gostado...!!
Beijinhos & Bons sonhos...♥

7 comentários:

Desabafando disse...

Não conhecia esse texto, mas gostei de ler apesar de triste.

Maísa Guimarães disse...

oow *---*

bells disse...

Ah posso dizer que amo muuuuito seu espaço, é tão bonitinho adorei o texto viu? lindo amr parabéns (: beijos!

Anônimo disse...

Eu já havia lido esse texto, não me lembro quando, mas ele é mesmo emocionante. Tem pessoas que acham que animais não sentem e que idosos não vivem ou que já viveram mto. Coissa muito errada.
Amei seu post, tenho que escrever mais coisas sérias no meu blog :~
beijos amg :*

Anônimo disse...

Nuusgaaa Oo, texto exelente mesmo, grande postagem.
Te Adoroo *;

Fernanda disse...

Nossa assim eu choro simplismente AMO BICHINHOS E ODEIO quem os faz sofrer lindo texto

http://www.saiadesalto.blogspot.com

Fernanda disse...
Este comentário foi removido pelo autor.